quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Abel

Treinei horas a fio no Campo de Abel.
E você...? Bem... você mudou de endereço.
Meus galhos retorcidos da caatinga tentaram te matar, irmão.
Não consigo ser igual a você.

Também... pudera!
Só sinto a eterna enxaqueca dos que não querem esperar.
Prefiro te enforcar a me agonizar feito inseto, Abel,
Te odeio do fundo do meu coração.

Quanta inocência podre, quanta falsidade...
Ninguém consegue fingir o tempo todo,
a não ser você, Abel,
a não ser você.

Sei que ri de mim no fundo,
e, por isso, quero te apedrejar.
Me deixe em paz!
Por que me procura se sabe que eu nunca vou mudar, Abel?
Por que existe?

Dois meses de diferença
são a indiferença suficiente
para destruir tudo que treinei;

Não basta te detestar,
quero ser reconhecido
por ser aquele que te esfaqueou, Abel -
e fez de ti o maior mártir do mundo.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

ARCADA

Quando aprendi a sorrir,
Meus dentes translúcidos
Me mostraram o caminho -
Odeio quem teme a solidão.

Toma esse soco!
e um pontapé
bem no meio da sua cara coitada;
Cada um tem o que merece.

Pobre alma deslavada...
Sem pai, nem mãe,
sem amigos...!
Aprenda agora a mastigar sem dentes.

A goteira encharcou o tapete.
Coma então o pão que o diabo amassou
e eu cuspi -
E se seu telefone nunca mais tocar?

Beba essa sopa rala
Antes que eles esqueçam que você existe.
Mas teu vazio está à mostra, Cuidado!
Arque com teu medo, dentaduras não vão funcionar.

Se não aprendeu a lição, logo aviso -
O mundo ainda vai muito te esmurrar.
A gengiva dessa solidão é o sorriso mais belo;
E o que é tua morte, ao mesmo tempo, sempre foi meu pilar.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Excalibur

Cabelos emaranhados escondem o encanto da excalibur.
Essa pedra, impossível furar, me ilude e me funde com a espada que não sai.
Não sou o rei.

Ontem comandei as tropas de Alexandria com meu coração de arco
De onde saem flechas para matar a sangue frio,
Só sei me atirar em qualquer direção.

Aos olhos ortodoxos, toda guerra é Cruzada do meu reino com o mundo.
Sequestro Merlin para mostrar que posso cortar o aço sem espada.
Meu poema dura mais que pedra.

E amanhã, quando invadir a Fenícia com meu soco bárbaro,
Não temo a távola dos desesperados, pois não sou o rei.
E não tenho nada a perder.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Voto

Se alguém me perguntasse como posso ter tanta certeza...
É absoluta, esse anel cobre o mundo também.
Pega minha mão e deixa eu te mostrar meu eu inteiro,
Mas só a você - só a você.
Engoli aquela chave que você me deu,
e meu corpo virou poesia junto com teu poema.
No altar digo sim quantas vezes quiser,
rebobino o beijo na chuva,
o travesseiro molhado...
rebobino até meu eu-sem-ter-você...
em que cada segundo era esperar
a longa fila das ondas abertas
pela esperança de poder nadar
em ti.
Nossos netos correm pela grama
plantada em nossos pés descalços -
Agora entendo o que é ser melhor ao teu lado - simples.
Olha bem nos meus olhos
e me diga que na alegria e na tristeza
na saúde e na doença
na vida e na morte
'é você, só você'.
Até o fim dos meus dias,
até o mundo acabar,
releia meus poros molhados -
molhados de tanto afogar
na certeza que um dia pensei nunca sentir
E que, agora, me sinto tão estúpido
por saber que sempre tive você
e a eternidade em milésimo transformar
eu te amo, eu te amo, eu te amo;
por poder me perder no seu mar.

domingo, 14 de janeiro de 2007

No banheiro

Se desistiu de mim, é porque não tentou o suficiente.
E pra quê tentar, amor?
Se sinto teu cheiro nas roupas delas.
Me chame de cafajeste mais uma vez;
Esse cheiro de sabão não me excita.
Por que hesita em me provocar
se sabe que eu mordo, amor?
Você não gosta?
Meu não não é talvez, é não,
mas talvez para você seja talvez
quando vier sem roupa, claro,
Talvez engane um otário,
mas a mim não, amor,
Você nunca me enganou.
Deixa eu lamber teus lábios
como se fossem selados, puritanos...
Como se nunca fossem meus esses arranhões em tua pele, amor,
Eu sei o que te faz chorar
de dor;
tocando tua espinha que não espeta,
E só me faz querer vadiar
até te encontrar com a doença da vida.
Você sente meu cheiro nas roupas deles?
Não sou gigolô, sou cafetão,
mas também cafajeste,
como você, amor...
que me disse que eu não presto,
mas me encontra no banheiro
preu escutar teu sim gemido...
Deixa o tentar pra mais tarde,
E esse reclamar, deixa de lado...
Pois, se desistiu de mim, amor,
é porque já vestiu tuas roupas de novo.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

- Azul e Amarelo

Beijo a boca do fogão
e o gás me alimenta de carbono;
queimado vivo.

Cheiro branco dessa fila que furo
quem tiver que furar;
você sabe quem eu sou?

Sou o que você queria ser, eu sei,
Todos querem - mas só eu tenho sete vidas:
Uma a menos, por respirar.

Tendão esticado, escondo o pecado
Para não sujar os lençóis que Deus me deu -
Sou virgem sulfúrico.

A porta do inferno é burra como porta;
E eu exagero - minha língua encardida
É mutação genética: tenho febre

E a fome da Quimera que me engole vivo,
Corrói minha jóia de arsênico, faz o mundo girar -
Me enterre no seu quintal, por favor!

Bem longe do papel de bala que a rainha copula;
Bem perto do tamarindo que vai logo acabar;
É tudo teatro.

E grito “Cuidado! Cuidado!”, não me atropelem!
As lanternas engorduraram e eu, amor, não posso explodir duas vezes;
Apenas sorrio.

Minha luz te amedronta? prefiro o escuro;
mas meus lábios radioativos reluzem segredos
e balançam os berços.

Anêmonas balançam num mar sem estrelas;
E meu crânio paira solto na viga do viaduto como alga-morta,
Absorvendo os passos-terremotos.

O tiro de festim bate em meu peito e volta -
Queria saber atirar sozinho, e primeiro;
mas sem meu crachá de querubim-devasso.

Estou pronto para subir, amor, estou sim;
Mas sem bagagem, sem você, uma a menos -
fantasmas chegaram com o despertador.

Esse remédio me enjoa como caldo de galinha;
Sou flor comestível -
Teu arsênico de frutas.

E, às vezes, bem às vezes, atiço Deus e o diabo -
pensar demais é muito caro!
mas ainda bem, amor, que sempre pude te beijar.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Áries

Talvez o abandono na era de aquário
Veio a calhar com meu sangue de ovelha negra.
Meu coração esmirrou como guimba de cigarro
fumado por expectativas vãs;
Meu chifre não corta.

Pular a cerca só é pecado
Se as pêras que plantei nasceram ocas;
É essa casca que me sufoca em plena era de aquário -
ó fulgor... que não deixa eu comer no escuro!
Por carregar os mesmos chifres em qualquer lugar que fujo.

Achava que não podia ser magoado
Se magoasse os outros por querer me sublevar;
Mas no meu céu, as estrelas são seus olhos
Reprovando o suspiro que trota para fora,
Achei que meu chifre não pudesse te cortar...

O problema de nascer cercado
É acostumar-se com a sombra dos outros
Derretendo a ferrugem desse trem que galopa para dentro.
Me fume com a certeza que meu chifre corta,
Que te ensino a ser ovelha sem precisar cortar.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Vishnu

A que matéria se apega?
É mais fácil não se apegar?
Sublime passa e repassa.
Será que vão se lembrar?

Em que deus acredita?
Acredita em você?
E quando se sacrifica,
É porque tem que vencer?

Há quantos anos repete?
Será que já inventou?
Absoluto é agora,
Aprendeu com o que passou?

Com quem gastou suas lágrimas?
Quem mereceu sua companhia?
A vida não vende fiado.
Já gritou hoje?

Por que se preservar tanto?
Tomar partido não é se integrar?
Não se expor é egoísmo do indivíduo.
E desde quando és individual?

Quantos remédios já tomou hoje?
Quantas drogas ainda te fazem viajar?
Nosso cérebro é oco, toc-toc.
E por que só deixar o ego ecoar?

O que espera desse escrito infinito?
Por que espera se ninguém te esperar?
O Absoluto não pensa em si próprio.
Então por que você cisma em pensar?

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

metrossexual

O tempo que gastei contigo
Seria melhor gasto com livros.
E o travesseiro molhado
Hidratou minha pele.
Agora escrevo auto-ajuda
Para aqueles que não tiveram você
Não esquecerem de esfoliarem
O corpo
Desse banho de sal-grosso.

no canavial

Quero provar açúcar,
Engomar o açúcar até o melado
sujar o engomado da camisa passada anteontem.
Não sou caldo, sou canavial,
E você também,
deixa essa praga de lado...!
Já fomos infectados desde a raiz,
que só sabe chupar.
Vem me cortar com as mãos calejadas,
a um centavo o hectare.
Seu despertar antes do Sol
não vale o amargo do engenho,
Por que não experimenta esse meu sumo
que vem do sulco que fizeste para sobreviver?
É doce,
como bombocado caramelado que não deixa eu ser açúcar
E só faz sujar tua roupa,
Engomada com meu egoísmo
Que quando me mostra o gosto do açúcar,
Me faz querer te provar.