terça-feira, 31 de outubro de 2006

sertanejo -

Quando encontrei o mar, encontrei a vida.
Quando encontrei o mar, minha visão cansada arrancou-se com a água que rola solta pelos paralelepípedos do pelourinho sem fim. Estava eu ali perante aquela estátua censurada, sinistramente sobreposta sobre meu calvário farpado - quando encontrei o mar, assim de repente; como abelha que morre pra buscar a vida perdida por entre os fortes solavancos daquele deserto de outrora, sem oásis, só deserto.
Achava que aquele azulão era uma miragem - felicidade em desconhecer o horizonte que me abraçava em sua imensidão. Os grilhões dissolveram aquecidos pela lava da vida borbulhando entre meus dedos pétreos, congelados com a brisa fria e leve daquele mar simples, mar de vem-e-vai, mar total.
Estava sendo acalentado por ninguém e me senti engolido pelo asfalto enquanto tentava abraçar o mundo. Quando vi o mar, as tatuagens do passado, que escaldavam em minha pele como brasão-de-boi, foram apagadas só de ouvir a zabumba da bonança ecoar no infinito que existe em meus ouvidos.
Aquele sussurrar das mais puras ondinas me fizeram involuntariar a vida, esticando os braços sobre o universo, e gritando com toda força dos pulmões para sentir o calor da voz, para sentir a temperança das estrelas. Quando vi o mar, não mais respirei, e aqui estou, até agora, sem saber o que fazer com tamanha beleza.
Quando encontrei o mar, morri.

domingo, 29 de outubro de 2006

Gênio

Ao leve esfregar da lâmpada, remexeu-se com o farfalhar desesperado daquelas asas involuntárias. Chegou a hora de partir.
Os milhões de anos engaiolados no horizonte curvaram sua coluna, cansada de erguer-se sob o teto de chumbo daquele artefato sem lar; construído com a lógica perfeita de uma alma rara, ciente de seu legado para ninguém além de si.
Volátil e efêmero, inflou-se sobre quem ousava perturbar seu sono sagrado. Um poder resguardado, ilimitado, porém sempre abalado pelos medos trancafiados lâmpada-de-chumbo, que o perseguiam como bumerangue, atingindo seu peito bem nas costelas sobrepujadas. Seus ossos de ar estavam cansados de arrastar esse peso pequeno, menor que a pele borrada, maior que a liberdade apagada.
Era triste não encontrar outro gênio a lhe aguardar do lado de fora desse mundo bem-vindo. Seu poder indomável, peça chave do progresso, o isolava na fumaça dos segredos e da perspicácia que emanavam do bico pontiagudo daquele objeto, ferindo quem tentasse entender a mágica da lâmpada duma estirpe extinguida. O orgulho emblemático só realizava os desejos por satisfação pessoal, porque poder é poder e ponto final.
A validez era de sua lógica onipotente, e, nas horas de silêncio, coletava todos os argumentos do mundo para projetar sua lâmpada sobre a palafita bamba de sussurros nos ouvidos. Do lado esquedo do planeta, plantava suas idéias de libertinagem e claridade enquanto tossia tosse de segredos, meticulosamente enterrados sobre aquele aterro da vida, coletando qualquer pingo de lembrança para não se esquecer mais tarde, quando a poeira baixasse.
Na busca pelo inconsciente, sua única companhia latente quando a euforia passava, cansou-se do marasmo daquele mundo de chumbo e decidiu optar pelo prazer total, imediato e fatal. Gênio de todas as dimensões, maior que qualquer percalço mundano, esconde num cofre os problemas na sua festa do Olimpo. Gênio sem mais precauções, ocupado demais para martelar o engano, sem certo ou errado, acima do mito. Escolhe e devora, sem temor, sem abrigo.
Quando se esmureceu, voltou a dormir na rede estável dum reino solitário que por todos passava. Espreitando a festa do lado de fora, sentia o efeito daquele imenso poder, daquela imensa danação. Até que ponto pode respirar fora da lâmpada? Até que ponto pode respirar fora de si? Até que ponto depende do esfregar da lâmpada? Até que ponto depende dos outros esfregando seu ego?
Sendo teu o poder desse jogo, jogue-o sem esquecer que, por mais eficazes que sejam tuas regras, nos jogos paralelos, as lógicas diferem. Esse 'não' de hoje ameniza o chumbo do teu coração, construindo outro mundo, mais perto da emoção, não dos gênios indomáveis, intocáveis, mas do fogo que te aquece, deixa-se queimar com o desconhecido. Troque o chumbo pelo vidro, que quebra, que refaz; e o que os outros vão pensar, não importa, não é maior do que o que és capaz, gênio da lâmpada, engula esse orgulho que preza individualidade e abra tuas asas involuntárias para plainar despido, sem noção do indivíduo, atraindo o universo no teu poder fenomenal, atraindo a verdade, descompromisso letal.
A ninguém pertencer, e por todos passar, essa é a hora de partir, e, só assim, se encontrar.

Luz Xadrez

Sou um.
Sou dois.
Sou três.
Peões correm na frente,
E o imã ligado ao rei reluz
Nessa pista de dança que transformo
Num simples toque por ser meu cheque-mate.
Cavalos na tropa de choque e quadrados embaralhados
Na minha estratégia perdida. Engulo peças que trazem a vida
Nessa torre de marfim, pulei suicida no vale-de-mim
Diagonal retaguarda;
Sacrifico a rainha antes da batalha começar.
Nem sei mais o que tinha, sem escudo, só espada,
Relembro nesse xadrez monocrômico que não me resta mais nada
aqui, a não ser ser mais de mil
Nessa luz que reluzo multifacetada
Só sei que ter o dom da palavra
É ter o tudo.
É ter o nada.

Ser

Larga esse fardo
E vem comigo.
Ver o que esse dever
Não te deixa.
Vem ver a vida, morena,
Larga essa ordem pequena.

Quero que sinta
O calor do sorriso
E essa brisa fresca
A te acariciar.
Vem rir na glória e esquece
O que estava a te fazer esquecer-se de ti.

Olha as flores
Que nascem ao léu
Desse meu intento
De assoprar catavento
Pra te acalentar, morena,
Olha a vida serena.

Vem descobrir
Esse mundo
Que está a te aguardar
Do lado de fora
Vem, morena,
a imensidão desvendar.

Só quero você
A me acompanhar.
Já estou de malas prontas
E não posso esperar.
Tudo passa, morena, vamos logo partir.
Perfeição, só nós dois, vamos logo existir.

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

SALMO

A poça reflete o caminho, a verdade, e a vida.
Se procuras conforto na palavra, ricocheteio-te com a afirmação:
Boa noite, o sonho é agora.
Boa noite, o sonho acordou.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Endereço

A minha rua
corta o mundo
corta cana
corta você

Na minha rua
Em um segundo
passa festa
passa chuva
passa você

A minha rua
Tem concreto
Tem porcelana
Tem todo o resto
Menos você

Da minha rua
Vejo guerra
Vejo silêncio
Vejo arco-íris
Só vejo você

A minha rua
É hipnose
É melodrama
É algodão
É só você

Essa tal rua
Não é de vidro
Não é de lama
Sequer é minha
Rua cega você

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Roda da Fortuna

Quero ver tua virtude,
E não teu pieguismo
Nessa noite ensolarada
de botões que prendem teu ego
nessa roupa opulenta
nessa roupa retirável

Mas deixa estar...

Quero aprender com o louco,
com o eremita enforcado,
Me mostra as cartas do teu baralho
porque meu destino está gritando
E eu não posso mais conter
essas pernas querendo correr
essas pernas querendo chegar

Em lugar nenhum.

Quero arcanos maiores
que façam sonhar com a temperança
No tarô dessa lembrança
que transforma água em vinho
na torre de babel construída
enquanto eu chorava
enquanto eu dormia

No meio da rua.

Quero casar com o diabo
no templo alagado de suor
Se teu vestido rasgar,
te dou minha escassez
Para remendar a perfeição
porque força é alquimia
porque força é doçura

Sem medo do algoz.

Quero cuspir no juízo final
Saliva de copas
Nesse cupido da morte morta
Livre dos seus treze ossos
Que me fazem calar para ousar
Que me fazem arder para viver

O naipe certo escolher.

Quero meu lugar na rede
Entre as estrelas apagadas
Em que espadas não me alcançam
E valetes só descansam
Num marasmo prazeroso
Que me guia ao sucesso
Que me mostra o às cortado

Em meu coração.

Quero tua mão
Para somar com a minha
No exército da bonança
Dessa vida esquecida
Eu só quero acordar.
Eu só quero rodar

Na fortuna falida.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Poder

Me assista cavar terremotos no chão com o leve toque do meu pé em seu rosto.
Poder; é isso que se chama poder.
Me assista assoprar um furacão com um suspiro de fadiga e desgosto.
Poder; é isso que se chama poder.

E antes que você pudesse tentar entender como sempre estou assim, como sempre estou em cima,
E antes que eu tentasse provar que meu pêndulo não decai, que minha vida é sempre uma rima,
Eu te mostrei meu poder e o mundo
Assistiu meu calor crescer como cipó que sufoca com a verdade dessas palavras fortes como meu
Poder; é isso que se chama poder.

Me veja acender a escuridão, observe meu brilho sem trepidação.
Me dê uma montanha, que eu mastigo no ar.
Encontro na perfeição o meu jeito de errar, enquanto rio do erro que me faz sempre ganhar.
Te incomoda saber que sempre vencerei?
E que essa lágrima que escorre, na qual me erguerei,
fortalece meu escudo, me divirto, não me iludo, porque a batalha já conquistei.

Ter poder só é ter controle
quando penso, logo, insisto.
Novamente;
Novamente;
Se erguendo do abismo.
Ter a mente em minhas mãos, é o mundo conquistar,
Na vitória certeira, lanço os dados para ganhar.
Relendo esse único lema
Para nunca me esquecer.
Controlar o que vem de dentro -
Poder; é isso que se chama poder.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

> (maior do que)

não inventei a tempestade que te assola
mas se meu guarda-chuva é melhor que o teu
nada posso fazer;

nunca me interessou viver de esmola
e enquanto puder me divertir na lama
o resto vou esquecer;

hoje impressionei-me com tua ingratidão
mas quando o barco virar
vou ser aquele a te assistir cair;

o que espera da vida além desse portão?
enquanto o passado que não chegou lamenta a chorar
sei que sempre irei partir;

não me permito arrependimento sentir
até já esqueci do que não for me elevar -
minha ousadia é o meu sudário;

está chegando a hora de decidir
com esse carro a acelerar
rasgando a pele do meu adversário;

e se você não se mexer,
só o meu nome irá ver
nas estrelas do céu desse mundo bandido -
que sempre foi meu;

desde que confio na voz infalível
do inconsciente inatingível,
meu brado só venceu
sempre maior do que o que sempre perdeu.

terça-feira

Um dia você acordou e pensou saber tudo sobre mim. Porque isso, porque aquilo, porque eu tentava escandalosamente ser o centro das atenções desse meu mundo vazio, tão fraco como os raios do Sol dessa manhã de terça-feira.
Um dia você acordou e pensou desvendar meu infinito - mais finito que seus sonhos banhados pelo inconsciente metódico da sua lógica perfeita e implacável, só seria mais um dia de prazer artificial na sua órbita estável.
Um dia você acordou e pensou ter engolido o mundo, mas meus dedos mutantes não deixavam matéria escapar, pequenos demais pra conter seu arfar, e dizer que te amo, mesmo de nada adiantar.
Um dia você acordou e digeriu pessoas com uma sagacidade enfadonha, que entra pra ganhar, que argúe pra fincar sua bandeira em toda e qualquer pegada na areia da praia do meu peito, vamos lá, me deixe mais uma vez sem jeito.
Um dia você acordou e moderou todo e qualquer movimento, decifrando o calcular na sua mente que pensa depressa, veloz infinito, poder que apressa o subjulgar às peças do jogo, diminui as chances de dormir ao meu lado de novo pra aumentar a provocação que excita teu fogo.
Um dia você acordou sem me abraçar, afim de me usar para seu vazio acalentar, mas, nesse dia, eu não estava junto, não estava perto, parti o mundo quando eu desperto, pois nesse mesmo dia eu acordei e esqueci de te dizer 'bom dia'.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

teus nãos;

Não me importo se pisar em mim novamente, não ligo mais.
Não que eu tenha sangue-de-barata; só não me preocupo com o que não me satisfaz.

Não há maneira mais fácil de dar-te as costas, não parece ser preciso.
Não escuto teu sermão de ralo-abaixo; só não aguento tua libertinagem nesse jogo de improviso.

Não digo que não tentei vencer mais um pouco, não nos deixar afundar.
Não alcançava teu redemoinho; só não era fácil porque meu coração do sertão fez teu suor secar.

Não digas que esmurrava facas para eu me entregar, não me resguardar.
Não que não gostasse do trailer do nosso filme; só não queria uma película artificial a me sufocar.

Não venha jogando a bola de volta, não deixou ela nunca de estar em suas mãos.
Não disse que ia ser fácil; só não use essa soberba altivez para esconder as cicatrizes que deixei em seu coração.

Não sigo o mesmo caminho que o teu, não faz a mínima diferença.
Não chega a ser recalque; só não me apetece o passado, nem a tua tentativa vã de onipresença.

Não quero soar superior, não preciso de ti para me auto-afirmar.
Não digas que eu estou perdido; pois só não disse 'sim' para você se encontrar.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

GOSTO

GOSTO DO GOSTO
DE ESQUECER E LEMBRAR
DE LEMBRAR E ESQUECER
E A LÁGRIMA ESCORRER
QUANDO O MUNDO ENGASGO
GUELA ABAIXO
CHEIO DE PREOCUPAÇÕES
GOSTO DAS INDECISÕES
QUE LAMENTO
NO INTENTO
DE ME OCUPAR
TODO O MEU SUGAR
E NUM APERTO SÓ
ESQUEÇO CURA E DÓ
SÓ QUERO SENTIR
O GOSTO ESVAIR
ATÉ EU MORRER
ATÉ ME ESQUECER
PORQUE ESTAVA A CHORAR
ESQUECER E LEMBRAR
QUE GOSTO DO GOSTO
DO VÍCIO IMPOSTO

domingo, 1 de outubro de 2006

Bang Bang

Chegou, fez e aconteceu.
Sacou a arma, furou meu pneu.
Calou, confortou, esqueceu.
Virou, riu e deu adeus.

Sofri, não andei, engessado.
Caí imóvel, torturado.
Chorei, calei, parado.
Senti, latente, a dor do passado.

Passou, movi, tampei.
Ergui, minha arma carreguei.
Vingança nutri, cavalguei.
Amei, odiei, te busquei.

Cheguei, fiz e aconteci.
Saquei a arma, disparei, corri.
Gritei, agitei, não esqueci.
Virei, lamentei, entendi.

Encaramos, rimos e percebemos.
Já maduros, não fugimos, não vencemos.
Atiramos, aceitamos, e morremos.
Unidos, juntos, o passado esquecemos.

marasmo

Cansei de você,
Cansei de tudo.
Cansei de gritar mensagens subliminares em meu olhar.
Cansei dessa vida,
Cansei desse corpo.
Cansei de espirrar com o perfume da rotina, nessa vontade de me encontrar.
Cansei do Sol,
Cansei do escuro.
Cansei de levar luz para pessoas que só me sugam, nada respondem.
Cansei do passado,
Cansei do futuro.
Cansei de quebrar meu pé em portas invioláveis dum destino que não me pertence.
Cansei de esperar,
Cansei de tentar.
Cansei da interrogação desse marasmo em que meu corpo bóia ao léu.
Cansei de ler,
Cansei de escrever.
Cansei de tentar te explicar o que nem eu consigo entender.