Ao leve esfregar da lâmpada, remexeu-se com o farfalhar desesperado daquelas asas involuntárias. Chegou a hora de partir.
Os milhões de anos engaiolados no horizonte curvaram sua coluna, cansada de erguer-se sob o teto de chumbo daquele artefato sem lar; construído com a lógica perfeita de uma alma rara, ciente de seu legado para ninguém além de si.
Volátil e efêmero, inflou-se sobre quem ousava perturbar seu sono sagrado. Um poder resguardado, ilimitado, porém sempre abalado pelos medos trancafiados lâmpada-de-chumbo, que o perseguiam como bumerangue, atingindo seu peito bem nas costelas sobrepujadas. Seus ossos de ar estavam cansados de arrastar esse peso pequeno, menor que a pele borrada, maior que a liberdade apagada.
Era triste não encontrar outro gênio a lhe aguardar do lado de fora desse mundo bem-vindo. Seu poder indomável, peça chave do progresso, o isolava na fumaça dos segredos e da perspicácia que emanavam do bico pontiagudo daquele objeto, ferindo quem tentasse entender a mágica da lâmpada duma estirpe extinguida. O orgulho emblemático só realizava os desejos por satisfação pessoal, porque poder é poder e ponto final.
A validez era de sua lógica onipotente, e, nas horas de silêncio, coletava todos os argumentos do mundo para projetar sua lâmpada sobre a palafita bamba de sussurros nos ouvidos. Do lado esquedo do planeta, plantava suas idéias de libertinagem e claridade enquanto tossia tosse de segredos, meticulosamente enterrados sobre aquele aterro da vida, coletando qualquer pingo de lembrança para não se esquecer mais tarde, quando a poeira baixasse.
Na busca pelo inconsciente, sua única companhia latente quando a euforia passava, cansou-se do marasmo daquele mundo de chumbo e decidiu optar pelo prazer total, imediato e fatal. Gênio de todas as dimensões, maior que qualquer percalço mundano, esconde num cofre os problemas na sua festa do Olimpo. Gênio sem mais precauções, ocupado demais para martelar o engano, sem certo ou errado, acima do mito. Escolhe e devora, sem temor, sem abrigo.
Quando se esmureceu, voltou a dormir na rede estável dum reino solitário que por todos passava. Espreitando a festa do lado de fora, sentia o efeito daquele imenso poder, daquela imensa danação. Até que ponto pode respirar fora da lâmpada? Até que ponto pode respirar fora de si? Até que ponto depende do esfregar da lâmpada? Até que ponto depende dos outros esfregando seu ego?
Sendo teu o poder desse jogo, jogue-o sem esquecer que, por mais eficazes que sejam tuas regras, nos jogos paralelos, as lógicas diferem. Esse 'não' de hoje ameniza o chumbo do teu coração, construindo outro mundo, mais perto da emoção, não dos gênios indomáveis, intocáveis, mas do fogo que te aquece, deixa-se queimar com o desconhecido. Troque o chumbo pelo vidro, que quebra, que refaz; e o que os outros vão pensar, não importa, não é maior do que o que és capaz, gênio da lâmpada, engula esse orgulho que preza individualidade e abra tuas asas involuntárias para plainar despido, sem noção do indivíduo, atraindo o universo no teu poder fenomenal, atraindo a verdade, descompromisso letal.
A ninguém pertencer, e por todos passar, essa é a hora de partir, e, só assim, se encontrar.