quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Janela Indiscreta

Me diz logo o que é isso que você esconde embaixo da escada, por onde todos passam até o teu quarto perto do céu.
Me diz que bicho é esse que balança teu armário, ou teus medos não existem sobre essa pilha de roupas velhas?
Eu andei tanto para chegar mais perto, e nunca é perto, parece que andei em vão.
Ao ter o rosto coberto, nesse surrealismo real, do teu mundo distante da dor que tento te mostar, mas perto do prazer que a sucede.

E esperar a pele enrugar depois de tanta demora sobre a sua porta de aço.
Não esperava teu corpo despido, apenas uma conversa que afagasse a ternura dessas flores que te trago do lugar que nunca deixei de estar:
Do teu gramado de adubos químicos, do lado de fora dessa casa apertada.

Parece que te conheço há milênios, mas o que eu realmente conheço?
Parece que tuas respostas são só para a campainha que toca quando chegam novos convidados, e nunca para as minhas perguntas.
Então continuo a esperar do lado de fora, a par de toda festa que só conhece esse teu lado bem-vindo.
Sei as regras do teu jogo, então porque temes que eu ponha tudo a perder se não fizer mais parte dele?

Os teus segredos te confortam ou te isolam quando a noite solitária uiva pelas frestas nas tuas janelas?
O quão seguro é esse cimento das paredes que você jura suportar a tempestade?
É por causa dele que você ainda não me conhece?
Continuo aqui nesse interlúdio, buscando demolir suas portas e janelas trancadas, nessa amizade cega que só quer, no fundo no fundo, te entender sem vidro nas noites sem-teto.

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Cinderela

Catando as pérolas caídas sem ninguém perceber. O alarde amedronta aquele peito desabrochado, já escondido num manto púrpura de neon digno de uma princesa cuja dinastia perdida tenta encontrar naqueles velhos axiomas sagrados que cansou de ler para escrever seu próprio - o mais perfeito e rutilante livro dos seus sonhos.
Mora no baile desde então. E conhece aqueles frequentadores assíduos tão bem como as palmas de suas mãos - sempre cobertas por luvas, desde que se entende por princesa de verdade.
Na dança, esquece os problemas ofuscados pela luz dos anéis brilhantes, emitindo o prisma da verdade que cabe naqueles quadradinhos refletidos na parede opaca da vida, bem maiores que as doze badaladas, porém, menores que seus medos.
Retoca a maquiagem na surdina, enquanto o palhaço de sua própria vida a persegue em cada borrão daquele batom importado de um reino distante, perto dos seus ideais desmanchados pela decêncida decadente que cismava em ultrajar na terra da moral impecável e dos hábitos vazios.
Na fumaça do cigarro, escondia cicatrizes deixada pelo amor verdadeiro, esperando, lá no fundo, um próximo príncipe reluzido num dos seus drinques inebriantes. Ó princesa, sempre pondo a música mais alta para cobrir o silêncio desse coração-de-pedra que anseia bater no mínimo relance do amor encantado, mas que só palpita munido pelas drogas de ressaca da nova vida opulenta.
E a riqueza da Lua e da vódega transparentes como seus olhos cansados já não deixa mais mentir. Que vida é esse de só querer sentir prazer imediato sobre o sapato de cristal? Se tudo estivesse em prosperidade, por quê essa poça de sangue e lágrimas do passado não evapora da entrada dourada do seu castelo? Por que esconde suas jóias raras dos seus mais especiais convidados, perdidos na multidão da sua festa vazia? Por que tem medo dessa festa acabar e da valsa dos sonhos parar de tocar?
São essas pérolas escondidas que te levam ao chão humilhada, catando nos destroços ocultos qualquer pingo de emoção estável. São essas pérolas que te subjulgam a um pó solitário no tapete da festa, sob sua estátua de cobre, por todos olhada, mas por ninguém tocada.
Seu reinado nunca sequer chegou a exisitir. Entre as lágrimas que chora sem saber porquê e as mil-e-uma histórias que tenta resgatar nas tábulas rasas do passado, aceite que já era o tempo das pérolas, perdidas para sempre nesse mar de sorrisos impessoais do seu mundo de desilusões. Sua coroa brilha mais sem tantos apetrechos e fantasias.
Sua coroa é você.

boombox generation

Se aproxime da geração boombox,
E veja seus problemas dissolverem
Como o corpo remelexe na batida
do trance maneiro.

Se aproxime da geração boombox,
Trazendo o sorriso e o cartão-de-crédito
Pra comprar sonhos imediatos
Na liquidação maluca da felicidade.

Se aproxime da geração boombox,
E esqueça o passado no ato
Porque o agora importa mais
Que cafonices sentimentais.

Se aproxime da geração boombox,
E sinta a endorfina dahora
No coração que bate com soco masoquista
Que só a transa abastece.

Se aproxime da geração boombox,
Mas não reclame que não avisei
Que overdose de mudança
Mata problemas, e você também.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Andava tão tristonho só de pensar na tristonheza das infinitas noites-viaduto, desabrigadas, com aquele vento uivante feito catapulta arremessando um pó pesado dos problemas, antes cacos, que ele nem se lembra mais.
Andava pelos becos como prostituta, de uma santa alma perdida que pudesse esnobar a mesquinharia da sua ironia burra, vendo a redenção numa gota de piedade do exaurido sonho de confetes em Finados, aquele velho e bom dia de esmola.
Andava com um sorriso de canto-de-boca, acanhando o hospício da nebulosa do seu céu pendular, ora de dentes com esmalte supernova, reluzindo a festa cor-de-rosa, ora negros-buracos, que só sabem, epicentro, as tragédias aumentar.
Andava atropelando os cadáveres engravatados, com uma aviltez que atentava o pudor puritano das madres terezas pregadoras de um amor maior do que aquele seu amor diferente, por nada e por ninguém, meio assim efluente, nem tão são, de Sol poente.
Andava mudado, cara a tapa acamurçado e já olhando para o próprio umbigo, que servia de abrigo para a concha incongruente, protegendo a malícia inocente daquela velha notícia de querer se encontrar.
Andava enaltecido, cheirando o pó dos problemas, com anticorpos-algemas e adrenalina pé-na-tábua, retroagindo as mágoas nessa piracema da vida - aquela eterna corrida que anda aquém, anda depressa, num quebra-cabeças revés, continuava engolindo as peças - através da correnteza, através de si andava.

Pombo

Pela janela do edifício apagado
Ruído cinza, farfalhar desesperado.
O podre do mundo na pena sem lar -
E ossos vazios não podem esperar.

Num beco boêmio, procura almas claras
Com olhos cansados da vida estancada.
Soluços de milho na imensidão -
E bico selado, discreta expansão.

Só a frente enxerga, só o banco da praça.
E vaga sem rumo, cloaca desgraças.
O peito estufado, certeza fugaz -
Esconde indefeso coração leva-e-traz.

Sobrevoa fuligem de um mundo carnal
Bel-prazer cria afoito num sangue de cal.
A ninguém pertencer, e por todos passar -
Só precisa esquecer, e depois pode amar.

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Mapa

Na esquina estrábica existe a tomada que conecta o fundo do nada com o coração de sabão feito bolha quadrada pouco extasiada com o opróbrio do mundo reles de algodão salgado feito pus que infiltra o vulcão mudar ares roda torta engrenagem revirada com dentes polidos de sabotagem anteontem não encontra célula morta de tanta osmose sem sentido grito rouco aos pés do ouvido que escreve sem parar que procura sempre um lar e que nunca vai se encontrar.

Talhar no Asfalto

Soluço teu peito
comprimido
contra minha
incerte-
za
E meu coração
bate-estacas no
escuro
da Lua tão
fatiga-
da
comigo e
com medos
que me conso-
mem
feito cupim
na madeira
do corpo que
rom-
peu
com o meu soluço
com o seu amor.

Seiva Bruta

O poema é uma
árvore seca
cujas raízes
pairam no ar
desadubado
encontrando frutos
no teu paladar
e cortando flores
sem desabrochar
ao lado
da areia-movediça
estende cipó
do fio da navalha
estranha dobradiça
da porta arrombada
para o jardim de migalha
que a vida metralha
sem dó nem porquê
o poema de pílula
comprime feridas
e as vende aqui
visíveis a olho nu
tão perto do teu jardim

tão longe de ti.

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

oásis da alma seca

olho pro teto e busco perguntas que já sei as repostas bem na testa deserto porque quis embaralhado e sem motivo de chorar assim martelo desconexo e singelo no cambalacho desse pau-de-arara migro em mim desengonçado sem espaço não respiro continua arrepio na mansão mal-assombrada onde tropeço na escada desse meu lado escondido nem achado nem perdido poderia almejar lado belo lado lixo revirado no deserto do buraco-negro aberto bem no meio do sertão desse mar de brabuletas plaino baixo no cometa que só pára de explodir no dia em que eu acordar, no dia em que eu respirar.

terça-feira, 1 de agosto de 2006

frevo

de tudo que já sentiu, varreu piaçava o coração só gesticula ajuda.
motor imóvel de pegadas-poço pedindo almoço feito mendigo de olhar calado
sério, injuriado, que só quer olhar e sorrir; ficar e partir
sem alarde, é covarde e não percebe que as pegadas-poço que cavou nos outros não mais se podem tampar, só as quer colecionar; tocar e largar
de antemão, antes que a vassoura, ou até mesmo a tesoura cega enferrujada, espalhe a picada no ferrão de piaçava que vem do seu toque; curar e arranhar
pra esconder aquele olhar certeiro, oblíquo e ligeiro, no mundo escondido em bolhas de sabão que pairam feito balão na estratosfera subcutânea que ninguém pode alcançar; abrir e fechar
sem saber quando contar, num distante crepúsculo calmo que deita entre o vidro quente do sangue, pura endorfina parasita sugada, determinada, sem se apegar a nada; estar e se ausentar
na fração de segundo que as pupilas dilatam e retratam a tênue diferença entre estar perto e estar junto, num intenso mundo de luz com blecautes no fundo, e sempre sempre imundo nesse paradoxo de tudo que ainda está para sentir e nenhuma piaçava poderá varrer; cuspir e comer
essa balbúrdia inteira é só pra perceber que é só na poeira, que teu coração pode crescer.