sábado, 30 de setembro de 2006

odecágono

Odeio o jeito que você passa como se nada tivesse acontecido, com aquela cara lavada, com aquele orgulho escondido.
Odeio o jeito que você me envolve, lendo minha mente com seu olhar implacável, que não se importa com as conseqüências do seu mundo estável.
Odeio o jeito que acha que tudo que faz é certo, seja mentir, seja esconder, nessa sensível insensibilidade que pensa que ter controle, é ter paz.
Odeio o seu jeito dominador que me cega em sua ausência constante, sua porta sempre fechada, sua expressão descompromissada.
Odeio o jeito carente que esconde no peito estufado, condicionado por outros, na vã solidão egoísta de sua alma completa, seu dependente mundo solto.
Odeio quando você está aqui e me faz sorrir porque odeio também saber que você sempre irá partir.
Odeio saber que nunca vou te conhecer, e que, quando me liga, é só pra te entreter nos momentos em que seu outro alguém não está por perto.
Odeio escutar sua voz distante, sempre distante, nunca perto, odeio plantar sementes que nunca florescerão no seu deserto.
Odeio quando me provoca, quando sabe o que me machuca, mas só pensa no seu umbigo, seu jogo rasteiro me deixa sem abrigo, e você sabe disso.
Odeio o fato de você existir em minha vida, mas adoro esquecer porque te odeio quando odeio lembrar de sua constante presença querida.

ODE

Me diz, menino, que isso não é poesia.
é só escrita mancomunada com o vazio das nossas vidas.
Me fala o que eu quero escutar,
Levanta um prédio, que eu escolho uma janela pra pular,
Fugir do quadrado pagão
Coberto da escuridão que eu sugo ao tentar engolir o mundo,
Enquanto vomito a realidade vil, me amarra hostil, que nada pode.
Me mostra seu lixo, que transformo em ode,
Na tentativa de crescer sem parar,
E eu que queria voar, me conformo em sobreviver com as asas cortadas
por você, menino, que me disse que tudo isso
sempre foi poesia.

Janeiro

Desse sorriso que não pertence a ninguém,
Exige atitudes das peças que se mexem sem seu poder,
Leve e soberano.
Esquece as chaves da casa que nunca teve,
De galho em galho,
Primata enrustido, na barra do vestido que balança
ao leve toque da dança do alto do scarpin
No mundo de cabeça pra baixo
Que faz sentido numa mente que nunca pensa demais,
Passa fugaz,
rasga, rasga, rasga
Os medos com impulso que quebra a garrafa
Do silêncio que ninguém nunca conhecerá
Começa de novo, de novo, sem pudor
Compartilha com o mundo as palavras usadas contra si
E o passado fica numa caixa no jardim secreto
dos seus sonhos, que nem se lembra mais onde enterrou
Aquele mapa riscado com um belo traço inconstante
evaporado, não tem mais significado,
o que sempre tentou encontrar.
Ama vícios, e aperta o agora tão forte que vicia
quem circunda essa inconstância, inundada de preponderâncias
que esquece pra poder se apaixonar de novo.
Não confie nesses olhos-de-gato, olhos-de-lince
Magnéticos, hipotéticos, cataléticos,
Capazes de tudo para fisgar um riso perfeito,
um amor desse jeito,
Traduzido na língua só por ela entendida,
Ou por quem, consentida, permitir se adentrar
No universo privado, assim escrachado,
Onde a cada piscar, faz janeiro
nesse vento ligeiro, que só quer amar.
Se perdendo de novo
é que vai se encontrar.

sábado, 16 de setembro de 2006

A arte de perder

Perder é fácil
Porque nada sequer chegamos a ter
Tantas coisas só existem com o intento
De passar através
E depois se perder
Perder é fácil
Desde os dentes-de-leite
Aos socos, acidente, documentos, foco,
Parece inconseqüente, mas só assista escorrer
O melhor é perder
Perder é fácil
Quanto vale esse terreno, essa emoção?
Sem posse, perda, nada importa
Perder a casa no furacão
É devolver filhos à imensidão
Perder é fácil
Pode arrancar tudo o que quiser
Se nem eu me pertenço
E nem a pele que me cobre, afaga
Nunca foi minha, nunca foi nada
Perder é fácil
Quando não amo coisas, nem ninguém
É mais fácil e rápido dar as costas
Sem memória, do que ganhar algum
E perder alguém
Perder é fácil
Ganhando essas medalhas de decepção
Construímos humanidade ao chorar de emoção
Só ao perder aquilo prezado,
Soberbo pecado de não aprender que
Perder é fácil
Derrota suada faz bem ao momento
Mas, cansa, ó meu deus, depois tudo se encaixa
Tampando o desastre criado por nós
Tentando, lá no fundo, escutar aquela voz
Que clama afoita por mudança ágil
Mas ninguém escuta que perder é fácil.

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Entrelinhas (parte 2)

Entre você e eu,
Há esse poço de diferenças
Que nos faz seguir sentidos contrários.

Mas nem assim deixamos de brigar
Pelas cores incompreensíveis do nosso mundo particular
Que se choca quando está separado, quando amamos esse ódio mútuo até o fim.

Pelos altos e baixos,
Não sei se posso contar contigo sempre que preciso.
Mas meu amor continua crescendo quanto mais aprendo com meus próprios erros.

Nunca temos o que conversar,
Mas nos entretemos com canções de páginas viradas
Enquanto mostramos as regras próprias dos nossos jogos, que nunca vamos saber jogar.

Admito que essa necessidade,
Nos leva a dias melhores cobertos de silêncio, que nem nós entendemos.
Apesar dos pesares, há um laço eterno, que nossos estranhos caminhos insistem em esconder.
Entre eu e você.

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Sem compromisso

Desde aquele olhar calado,
O arrepio senti com tuas unhas cravadas através do meu peito.
As línguas atadas pela secreção desses toques desesperados
Que só buscam orgasmos regurgitados dos lençóis em chamas.

Desde aquele cigarro no intervalo,
Te sorvo pelos poros enquanto inspiro teu suor já misturado
Com o sangue desses beijos canibais
Que nos fazem explorar as mil dimensões dessas quatro paredes.

Desde aquela porta trancada,
Rasgamos roupas e pudores
Como animais que não se reconhecem pelos espelhos quebrados
Com os gritos de prazer das peles evaporando.

Desde aqueles sussurros gemidos,
Com os olhos bem fechados na harmonia tântrica
Desse movimento selvagem que percorre a cintura
Até todos meus pêlos rijos explodirem na fusão com os teus.

Desde aquela tensão preliminar,
Sem carícias românticas, sufocamos os corpos
Ligados pelo bel-prazer casual dessa carne crua
Até nossos caminhos divergirem depois do gozo.

Desde aquele ponto final,
Se você conseguir lidar com o fato que quero teu corpo, e não teu coração,
Poderemos nos encontrar então embaixo dos lençóis em chama
Até eu ter o meu, e você, o seu.
Sem compromisso.

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

poesia vazia

Todas as pessoas na calçada
Perdem tempo com o nada
E eu guardo tudo para mim
Em vez de ficar sem saber nada.

Desejo tantas coisas...
E parece que nada achei
Por tudo em que eu me tornei
Um talvez sem saber o que saber.

Em vez de ficar sabendo tudo,
Preferia não saber nada
Para não perder tanto tempo
Com esse vazio me sufocando na calçada.

oito ou oitenta.

Mandíbula cansada de mastigar seu amor-chiclete, artificialmente concebido, entre aquela cama rasteira – grande o suficiente para caber meu sentimento ingênuo, que, de tão pequeno perante você, consegue engolir o mundo. Ouvi dizer que ninguém leva a sério essa minha lágrima abafada, infantil e posuda, mas, mesmo assim ela escorre, e eu também.
Nesse seu jogo, sou o peão mais trivial, com o rosto majestosamente empalhado nas paredes do seu quarto redondo, que me leva de volta a você nesse bumerangue corroído pelo chiclete que impede meus dentes tortos de sorrirem de verdade. Estancado como cimento rasgado, nesse chão listrado em que você apenas passa na velocidade que te agrada.
E se me toca, queima a pele. Se não me toca, queima os ossos. E minha alma cambaleia presa nesse mundo que respira você, e expira carbono, queimada e morta. Você me tem prisioneiro sem tocar nas correntes, e eu me tenho prisioneiro acorrentado no pilar inócuo que não consigo esconder, está aqui, nesse buraco no meu rosto, nesse grito que está prestes a rasgar como o controle perdido desde que vi seu rosto naquela tarde azul como a sua neblina que me cega desde então.
Eu devia saber que tudo seria só diversão, sem me acostumar ao ferimento com seus anzóis, sem me acostumar a lamber feridas do coração, meu único alimento, me queima devagar, me deixam preso nesse arco, em que cada passo me leva a você, no lugar certo, na hora errada. Eu devia saber que nunca poderia arranhar seu diamante polido, juntar as partes dessa máscara da sua festa no intervalo da conversa, cavando túneis circulares, pelo lado que me manda fugir, e beijando seu rosto coberto de sonhos, pelo lado que me manda ficar.
Grito para as pessoas, que bajulam seus interesses cobertos pela piedade vendida nessas visitas compradas, em que apenas calo, pois sou seu cúmplice secreto nessa ilusão construída nos meus momentos de ternura ensangüentada que talvez você nem queria enxergar. Essas paredes me irritam com o silêncio das rachaduras sufocadas e minha boca costurada com o fio do amor impossível, tênue demais para você se importar.
Oito ou oitenta. Ou te amo nesse jogo acorrentado, aceitando essa teia silenciosa e farpada; ou deixo tudo para trás, e me acostumo com a inércia da lembrança irreal de poder te amar algum dia sem paredes, sem rachaduras, sem quartos. Ou te odeio, ou te amo para sempre nessa miragem que escorre como o areia no deserto daquela tarde azul em que me perdi no seu sorriso, a mesma tarde azul em que perdi o seu sorriso, que nunca sequer chegou a ser meu.