segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Outono

Cortei as dálias
Pra te mostrar aqui.
Vem pra mim.
Vem dançar
com os pescoços unidos em espiral
e enrolar, enrolar
até crescer os galhos,
e dos galhos, folhas
verdes como a grama,
como meu coração
que espera cair de maduro
bem no seu cocoruto -

gravidade:
caem as flores,
caem as folhas,
caem as cores,
e somam anéis ao redor de nossos olhos
amarelos;
pelo Sol da seiva do pólen da abelha...

Eu quero tocar tua mão
e enroscar, enroscar
até impregnar a madeira de cupim
carcomido
pelo frio desse inverno
em que todos têm fome
e raiva
e agouram nossa flora
feito joão-de-barro sem lar

E com machados e serras e alicates,
Separam nossos pescoços
porque o baile acabou.
Caem as toras,
caem as farpas,
cai enfim o meu coração,
que ainda estava estava verde -
como a grama que não vejo mais
não vejo você.

Pela fábrica de mognos talhados,
risco flechas em meu peito
para quem quiser ver.
E se o mundo cair -
que não cortem mais as árvores,
mas só as sementes,
Enquanto as dálias desabrocham
onde jaz a nossa dança.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Capa

Vira a página e
Eu
Sou fotogênico
Eu
Saio na capa
Eu
Sei que
Eu
Fico na retaguarda quando
Eu
Ando a cento e vinte
Eu
Gosto do assédio porque
Eu
Gosto da luz
Eu
Sou
Eu
mas
Eu
Posso ser mais se
Eu
Quiser tormentar,
Eu
Sorrio,
Eu
Espero modesto porque
Eu
Posso sair quando você vira a página, mas sou
Eu
Que saio sempre na capa -

Vira a página e
Eu.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Inocência

Eu era só uma criança quando eu nasci.
Aquele móbile três palmos
peito-de-pombo
Maldita tomada!
E você -
Inocência.

Eu tinha só dois anos
e três Comandos em Ação.
Histórias bonitas
Papai-do-céu a me olhar...
E você -
Amém.

Eu tinha um superpoder,
mas não andava sem rodinha
e chorava;
chinelo, cinto, bicho-papão
e você -
Silêncio.

Eu brincava de pique-pega no quintal
e pique-esconde no armário
na sala
no banheiro
no escuro
com você -
Mentiras.

Eu não sabia o que saber:
melhor pra mim.
Magias?
Segredos.
E a porta trancada a sete chaves.
Melhor
pra você -
Vazio.

Eu achava que achava brincar de calar -
Palhaço,
Lençóis
e jaulas.
Porquinho quebrado
por você -
Crime.

Eu comia arroz e feijão,
mas, mesmo assim, era fraco
pela força
pelo crime
pelo vazio
pelas mentiras
pelo silêncio;
era sempre você -
Inocência.



... Eu tinha só dois anos e três Comandos em Ação ...

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Pirata Parte I - a garrafa sem barco

Apertei e amassei as vitórias dentro daquela garrafinha que cabia o barco boiando sem água.
As pessoas me perguntaram como eu consegui tirar o barco dali sem quebrar a garrafa, mas o barco é de madeira, duh, e eu sou de aço,

sou pirata.

Presta atenção.
Realiza aquele bando de pecinha menor que você.
Quando cê joga um jogo, o jogo é você quem faz, e os problemas também. Se joga o jogo, você é maior que o jogo. Então se for jogar um jogo, jogue você, jogue ambição, seu palerma, ou assista a pedrinha de gelo em meu drink cortar teu casco como o Titanic que jura nunca afundar.

Você esqueceu que sou eu que sou de aço?

Então.
Eu não quero o mal de ninguém. Eu só quero morrer de olhos abertos pra sonhar com o céu entupido de estrelas e com o mar transbordando com mais um ano de 365 mililitros de desejos realizados dentro da garrafa que cabia o barco boiando sem água, e, que agora, bem, agora, cabe o mundo todo.